Rui Brazão

Rui Brazão

quinta-feira, 31 de março de 2016

Como Ser Autónomo?

Como Ser Autónomo?

As pessoas vivem toda a sua vida a acreditar no que os outros dizem, dependentes dos outros. É por isso que têm tanto medo da opinião dos outros. Se eles pensam que você é mau, torna-se mau. Se o condenam, começa a condenar-se. Se dizem que é pecador, começa a sentir-se culpado. E, como depende da opinião deles, é obrigado a conformar-se constantemente com as suas opiniões; senão eles mudarão de opinião. Ora isso cria uma escravidão, uma escravidão muito subtil. Se quiser ser considerado bom, digno, belo, inteligente, tem de fazer concessões, tem de se comprometer continuamente com as pessoas de quem depende. 

E levanta-se um outro problema. Como há muitas pessoas, elas estão sempre a alimentar a sua mente com diferentes tipos de opiniões — opiniões conflituosas, ainda por cima. Uma opinião a contradizer outra opinião — daí que exista uma grande confusão dentro de si. Uma pessoa diz que você é muito inteligente, outra pessoa diz-lhe que é estúpido. Como decidir? Então fica dividido. Fica com dúvidas sobre si próprio, sobre quem é... uma ondulação. E a complexidade é muito grande, porque há milhares de pessoas à sua volta. 
Você está em contacto com muitas pessoas e cada uma delas mete a sua ideia na sua mente. E ninguém o conhece — nem você mesmo se conhece —, pelo que toda essa colecção se amontoa dentro de si. É uma situação de enlouquecer. Tem muitas vozes dentro de si. Sempre que se pergunta quem é, surgem muitas respostas. 

Algumas dessas respostas serão da sua mãe, outras serão do seu pai, outras ainda do professor, e assim por diante e assim sucessivamente, e é impossível decidir qual delas é a resposta certa. Como decidir? Qual o critério? É aqui que o homem se perde. Chama-se a isto ignorância de si próprio. 
Mas como depende dos outros, tem medo de entrar na solidão — porque no momento em que começar a entrar na solidão começará a ter muito medo de se perder. Em primeiro lugar, você não se tem a si próprio, mas, qualquer que seja o eu que criou a partir da opinião dos outros, tem de o deixar para trás. Daí que seja muito assustador interiorizar-se. Quanto mais fundo for, menos saberá quem é. É por isso que quando procura conhecer-se realmente a si próprio, antes de o conseguir terá de abandonar todas as ideias que tem sobre o seu eu. Haverá um hiato, haverá uma espécie de coisa nenhuma. Tornar-se-á uma não-entidade. Sentir-se-á completamente perdido, porque tudo o que conhece deixará de ser relevante e aquilo que é relevante ainda não conhece. 

Osho, in 'Intimidade' 

quarta-feira, 30 de março de 2016

A Vida é uma Busca

A Vida é uma Busca

A vida é uma busca — uma busca constante, uma busca desesperada, uma busca sem esperança, uma busca de algo que não se sabe o que é. Há um forte impulso para procurar, mas não se sabe o que se procura. E há um certo estado de espírito em que nada daquilo que consegue lhe dará qualquer satisfação. A frustração parece ser o destino da humanidade, porque tudo aquilo que se obtém perde o sentido no momento exacto em que se consegue. Começa-se novamente a procurar. 
A busca continua, quer se consiga alguma coisa ou não. Parece ser irrelevante o que se tem e o que não se tem, pois a busca continua de qualquer maneira. Os pobres andam à procura, os ricos andam à procura, os doentes andam à procura, os que estão bem andam à procura, os poderosos andam à procura, os estúpidos andam à procura, os sensatos andam à procura - e ninguém sabe exactamente de quê. 

Essa mesma procura — o que é e porque existe — tem de ser compreendida. Parece haver um hiato no ser humano, na mente humana. Na própria estrutura da consciência humana parece haver um buraco, um buraco negro. Continuamente se deitam coisas lá para dentro e as coisas continuam a desaparecer. Nada parece enchê-lo, nada parece ajudar a alcançar a plenitude. E a busca é muito febril. Você procura neste mundo, procura no outro mundo. Por vezes, procura no dinheiro, no poder, no prestígio, e por vezes procura em Deus, na felicidade, no amor, na meditação, na prece — e a busca continua. Parece que o homem apanhou a doença de procurar. 

A busca não o deixa estar no aqui e agora, porque essa busca o leva sempre a qualquer outro lugar. A busca é uma projecção, a busca é um desejo, é uma ideia de que num outro lugar existe aquilo de que se precisa - que isso existe, mas que existe num outro lugar, não aqui, onde se está. Não há dúvida de que existe, mas não é neste momento - não é agora, mas num outro lugar. Portanto, ela existe ali, mas nunca aqui e agora. E isso continua a provocá-lo, continua a puxá-lo, a empurrá-lo. Continua a lançá--lo em loucuras cada vez maiores; fá-lo enlouquecer. E nunca é satisfeita. 

Osho, in 'Intimidade' 

terça-feira, 29 de março de 2016

Cada Indivíduo é Único

Cada Indivíduo é Único

A vida é, intrinsecamente, uma tremenda aceitação inconsciente. Aceitou totalmente os seus olhos? Aceitou totalmente o seu corpo? Aceitou totalmente a vida que leva? Esta ideia de aceitação total que nos é imposta torna-nos infelizes, porque está continuamente a fazer comparações. Há sempre alguém que tem uns olhos mais bonitos, um corpo mais forte e que possui mais conhecimentos. E a pessoa sente-se sempre inferior e esta inferioridade vai-nos corroendo o coração. Tornamo-nos cada vez mais infelizes, mas o motivo foi criado desnecessariamente por nós. Não há necessidade de nos compararmos com os outros, porque não existe ninguém com quem nos possamos comparar.
Cada indivíduo é único. E seja o que for, é dessa maneira que a existência quer que esse indivíduo seja. Desfrute disso.
Substitua a palavra «aceitação», porque não é uma palavra muito feliz. Aceitação é uma coisa que tem de se fazer, não há alternativa. Há pessoas mais bonitas, há pessoas mais ricas, há pessoas mais fortes. E o que é que podemos fazer? Aceitar.
Eu não ensino a aceitação desta maneira. A minha ideia de aceitação é completamente diferente da de todas as religiões.
Eu proclamo a sua unicidade.
Cada um de nós é apenas aquela pessoa particular e não existe ninguém - nem no presente, nem no passado, nem no futuro - que seja exactamente igual a nós.
A existência confere-lhe uma individualidade única, alegre-se com isso. E dessa alegria virá a aceitação; com isso não tem de se preocupar. Eu nunca senti que devia ser alguém na vida.

Osho, in 'Acreditar no Impossível' 

sábado, 26 de março de 2016

Comece a Ouvir a Voz Dentro da Sua Cabeça

Comece a Ouvir a Voz Dentro da Sua Cabeça

Comece a ouvir a voz dentro da sua cabeça com tanta frequência quanto possível. Preste especial atenção a quaisquer padrões de pensamento repetitivos, às velhas cassetes que têm passado dentro da sua cabeça, porventura já há anos. É a isto que me refiro quando digo «observar o pensador», que é outra forma de dizer: ouvir a voz dentro da sua cabeça, estar lá como a presença que testemunha. 

Quando o leitor escutar essa voz, faça-o com imparcialidade, ou seja, não emita juízos. Não julgue nem condene aquilo que ouve, pois fazê-lo implica que a mesma voz voltou a entrar pela porta dos fundos. Em breve perceberá: ali está a voz e aqui estou eu a observá-la. Esta perceção “aqui estou”, esta sensação da sua própria presença não é um pensamento. Surge além da mente. 
Assim, quando a pessoa escuta um pensamento, está consciente não só deste, mas também de si própria como testemunha do pensamento. Introduziu-se uma nova dimensão da consciência. 

Eckhart Tolle, in 'A Prática do Poder do Agora' 

Já Está na Altura de Perder as Ilusões

Já Está na Altura de Perder as Ilusões

As ilusões das pessoas vão mudando. Quando são jovens, têm a ilusão do amor; pensam que o amor talvez consiga abrir as portas de todos os mistérios. O amor abre realmente as portas, não as dos mistérios, mas as das misérias. Há outros indivíduos a quem só interessa ganhar dinheiro. Quando perguntaram a Henry Ford: «Ganhou mais dinheiro do que qualquer outra pessoa no mundo. Agora que chegou ao topo, como se sente?», ele respondeu: «Completamente frustrado, porque no topo não existe nada. O que aprendi ao longo de toda a minha vida foi a subir escadas. Fui subindo, na esperança de que no degrau seguinte pudesse estar a realização, mas a realização nunca se alcança.» 
Quando as pessoas perdem as suas esperanças, ilusões e sonhos mundanos, então mudam e começam a ter esperança no crescimento espiritual, em Deus e no paraíso. Estas são as mesmas pessoas e as mesmas mentes que não aprenderam absolutamente nada. 
A não ser que não possua quaisquer tipo de ilusões - o que significa que já não pensa no amanhã não conhecerá a verdade pura da existência, que apenas existe nesse momento. Não se encontrará em sintonia com o mesmo, e, portanto, estará sempre a afastar-se, a adiar, a ir, a caminhar. 
Já está na altura de perder por completo as ilusões: ilusões mundanas, ilusões não-mundanas, amor, dinheiro, iluminação. Limite-se a ser o que é e assim terá chegado a casa. 
Na verdade, nunca a deixou realmente. Esteve sempre aqui. 

Osho, in 'Acreditar no Impossível' 

Pensamos de Mais e Sentimos de Menos

Pensamos de Mais e Sentimos de Menos

Queremos todos ajudar-nos uns aos outros. 
Os seres humanos são assim. 
Queremos viver a felicidade dos outros e não a sua infelicidade. 
Não queremos odiar nem desprezar ninguém. 
Neste mundo há lugar para toda a gente. 
E a boa terra é rica e pode prover às necessidades de todos. 
O caminho da vida pode ser livre e belo, mas desviámo-nos do caminho. 
A cupidez envenenou a alma humana, ergueu no mundo barreiras de ódio, fez-nos marchar a passo de ganso para a desgraça e a carnificina. 
Descobrimos a velocidade, mas prendemo-nos demasiado a ela. 
A máquina que produz a abundância empobreceu-nos. 
A nossa ciência tornou-nos cínicos; a nossa inteligência, cruéis e impiedosos. 
Pensamos de mais e sentimos de menos. Precisamos mais de humanidade que de máquinas. Se temos necessidade de inteligência, temos ainda mais necessidade de bondade e doçura. Sem estas qualidades, a vida será violenta e tudo estará perdido. 
O avião e a rádio aproximaram-nos. A própria natureza destes inventos é um apelo à fraternidade universal, à união de todos. 
Neste momento, a minha voz alcança milhões de pessoas através do mundo, milhões de homens sem esperança, de mulheres, de crianças, vítimas dum sistema que leva os homens a torturar e a prender pessoas inocentes. 
Àqueles que podem ouvir-me, digo: Não desesperem. A desgraça que nos oprime não provém senão da cupidez, do azedume dos homens que têm receio de ver a humanidade progredir. O ódio dos homens há-de passar, e os ditadores morrem, e o poder que tiraram ao povo, o povo retomá-lo-à. Enquanto os homens morrerem, a liberdade não perecerá. 

Charles Chaplin, in 'Discurso final de «O Grande Ditador»'

Purificando a Raiva

Purificando a Raiva


"O que é o Budismo? Qual é a essência dos ensinamentos do Buddha? Como esta essência se expressa nas diferentes culturas? Qual era realmente o objectivo de Buddha?"

Para responder estas questões, será preciso olhar além das aparências culturais da prática budista nos diferentes lugares. Na medida em que o Dharma chega ao Ocidente, precisamos examinar isso também porque estamos aprendendo o budismo através de uma sobreposição da cultura oriental. Precisamos sempre nos perguntar, "Qual o verdadeiro propósito desta cerimónia ou desta prática? Como praticamos o budismo como ocidentais?"

S.S. o Dalai Lama diz que os ocidentais não precisam adoptar a cultura tibetana para praticar o Dharma: "Você pode comer momos, tomar chá tibetano e usar roupas tibetanas, mas seu nariz ainda é do ocidente." Precisamos procurar o significado do Dharma e não confundi-lo com formas externas e armadilhas culturais. Este desafio os budistas ocidentais precisam encarar. 

A raiva é destrutiva? 

Primeiramente vamos concordar que a raiva é uma emoção destrutiva. Estou levantando este ponto porque algumas pessoas acham que a raiva é construtiva. Elas dizem: "Fulano me roubou. Eu tenho o direito de ficar com raiva. Foi bom que eu lhe dei um fora e o coloquei no seu lugar. Se não fosse por isto, ele iria montar em mim!" Assim, tentam justificar suas raivas.

Se pensarmos assim, não faremos nada a respeito da nossa raiva, porque acharemos que ela é benéfica. Mas, vamos dar uma olhada mais profunda e perguntar, "Quando estou com raiva, estou feliz?" Alguém fica realmente feliz quando está aborrecido, irritado ou furioso?

Ninguém fica. Se nos sentimos infelizes quando estamos com raiva, como é que a raiva pode ser positiva? Qualidades positivas nos trazem felicidade, mas quando estamos com raiva, definitivamente estamos infelizes.

Examinando nossa própria experiência, vemos que a raiva traz muitas desvantagens. Quando estamos com raiva, fazemos e dizemos coisas que mais tarde lamentamos. A raiva nos faz perder o nosso controle, então falamos aos outros com crueldade; e podemos até mesmo ferir fisicamente aqueles a quem amamos. Cada um de nós tem um armazém oculto de eventos em nossas vidas que não gostaríamos de lembrar, porque estamos envergonhados da maneira como agimos naquelas ocasiões.

Às vezes nos indagamos porque os outros não gostam de nós. Pensamos que somos pessoas bastante boas! Mas se vermos a maneira como tratamos os outros, especialmente quando estamos com raiva, então fica claro porque eles não confiam em nós.

Lembre-se de uma situação em que tenha tido raiva. Saia por um momento de seus próprios sapatos e olhe a si mesmo do ponto de vista da outra pessoa. Veja o que disse e o que fez. Você foi uma pessoa querida naquela ocasião? Você foi gentil? Você gostaria de ser seu próprio amigo quando fica irascível?

É bom soltarmos a nossa raiva? 

Muitos terapeutas encorajam seus clientes a sentir raiva de coisas que aconteceram muitos anos atrás e a soltar a sua raiva. Mais tarde, quando os terapeutas ou clientes ouvem os ensinamentos budistas sobre as desvantagens da raiva, eles perguntam se Buddha defendia a supressão da raiva.

Não, ele não defendia. Suprimir ou reprimir a raiva não acaba com ela, apenas a oculta. Podemos ter um sorriso em nosso rosto, mas se ainda tivermos raiva em nossos corações, não teremos resolvido a raiva. Isto não é praticar a paciência, é ser hipócrita! Além disso, segurar a raiva é doloroso e pode nos prejudicar.

É importante sermos honestos connosco e reconhecermos nossa raiva, ao invés de fingir que ela não existe. No entanto, reconhecer que estamos com raiva é diferente de expressá-la verbal ou fisicamente. Quando soltamos a raiva, nos arriscamos a fazer outras pessoas infelizes. Igualmente, soltar a raiva batendo em almofadas ou gritando em lugares solitários não resolve a hostilidade e a frustração. Isto apenas dissipa temporariamente a energia-raiva. Além do mais, começamos a formar o hábito de gritar ou bater em objectos, o que não é benéfico.

Existem alternativas para os extremos de suprimir a raiva ou soltá-la. O budismo defende dissolvê-la, para que ela deixe de existir. Então nossos corações estarão livres de hostilidade e nossas acções não ameaçarão o bem-estar dos outros. Com as mentes claras, podemos então discutir e resolver as situações difíceis com os outros.

Treinando a paciência 

O que podemos fazer quando ficamos com raiva? Buddha descreveu uma variedade de técnicas para desenvolver a paciência. Muitas delas são encontradas no Guia para o Modo de Vida do Bodhisattva, do grande sábio indiano Shantideva. O capitulo seis é um dos capítulos mais longos do livro, e ensina como evitar a raiva e cultivar a paciência.
Primeiro, devemos aprender as técnicas para lidar com a raiva. Depois, praticá-las em nossas meditações. Isto ajuda a aumentar a nossa familiaridade e ter confiança nessas novas maneiras de perceber as coisas. Ao praticar estas técnicas em um ambiente pacífico — sentados em nossas almofadas de meditação - construiremos um repertório de meios alternativos de percepção de situações que normalmente nos deixam com raiva.

É importante treinarmos essas técnicas quando não estamos com raiva. É como aprender a dirigir. Não vamos directo à auto-estrada no nosso primeiro dia na auto-escola, porque estamos despreparados e sem habilidade. Ao invés disto, dirigimos ao redor do estacionamento para ficarmos familiarizados com o acelerador, os freios e o volante. Praticando inicialmente num ambiente seguro, seremos capazes de lidar com o carro em situações mais perigosas no futuro.

De maneira semelhante, primeiro praticamos a paciência quando não estamos numa situação de conflito. Fazemos isto através de lembranças de experiências anteriores — situações em que explodimos de raiva, ou eventos que até agora nos deixa hostis ou magoados só em lembrá-los. Depois, aplicamos as técnicas: repassamos um vídeo mental do evento, mas tentamos pensar nele de maneira diferente. Ao rever a situação com uma nova perspectiva, a raiva diminui. Então poderemos também antever a nós mesmos respondendo ao outro de maneira diferente.

Fazer isto não só nos ajuda a dissolver mágoas e rancores passados, mas também nos familiariza com as técnicas que podemos aplicar em situações semelhantes no futuro. Então, sempre que uma situação ocorrer em nossas vidas, e sentirmos nossa raiva surgir, podemos seleccionar uma técnica e aplicá-la.

Às vezes, é difícil dissolver nossa raiva mesmo quando estamos num ambiente pacífico, porque ficamos presos nas armadilhas de nossas emoções e conceitos equivocados do passado. Mas se aos poucos aprendermos a subjugá-los, então quando formos ao trabalho, à escola ou às reuniões familiares, teremos boas chances de trabalhar a nossa raiva quando ela surgir. Com uma prática constante, seremos até capazes de evitar que a raiva sequer surja.

Subjugar a raiva é um processo lento e firme. Ao ouvir uma ou duas coisas hoje, não espere que sua raiva se vá para sempre a partir de amanhã. Reagir com raiva é um mau hábito profundamente enraizado, e como todos os maus hábitos, leva tempo para ser removido. Temos de nos esforçar para desenvolvermos a paciência.

Além disso, precisamos aprender a ser pacientes connosco mesmos. Às vezes podemos ficar com raiva de nós mesmos por ter perdido a calma com alguém. "Eu sou tão mau. Eu sou horrível. Eu estou frequentando há um mês os ensinamentos budistas e ainda fico com raiva. O que há de errado comigo?" Pensando assim só compõe o problema. Não somos "culpados, maus ou sem esperança" por ter ficado com raiva. Simplesmente não estamos bem treinados na paciência. Aliás, a paciência é uma qualidade que só podemos desenvolver com prática e tempo.

Além de aumentar nossa paciência, tolerância e sabedoria — qualidades que torna nossas mentes claras — é bom aprendermos a nos comunicar claramente com os outros. Actualmente, as universidades, as empresas e os programas de educação de adultos conduzem aulas de comunicação, treinamento de positividade e resolução de conflitos. Enquanto as técnicas budistas ajudam a pacificar a raiva interna, estes cursos ensinam técnicas para ouvir e se expressar eficazmente.
Antídotos para a raiva

Vejamos alguns exemplos examinando meios de como lidar com a raiva. Receber críticas frequentemente acciona a nossa raiva. Alguém aqui foi criticado hoje? Eu não ficaria surpresa se todos levantassem as mãos. Geralmente, recebemos críticas com facilidade. Nós precisamos trabalhar tanto para conseguir algumas coisas — como dinheiro — mas a crítica vem sem nem se precisar pedir!

Quando somos criticados, normalmente sentimos que somos as únicas pessoas em que os outros descarregam, não é? "Eu faço o melhor que posso, mas o patrão sempre deixa passar as falhas dos outros, e inevitavelmente nota as minhas. Tanta gente implica comigo."

No entanto, conversando com os outros, notaremos que quase todos sentem que foram muito criticados. Não acontece só connosco. Nossos problemas parecem maiores do que os dos outros porque somos muito auto-centrados.

Quando alguém nos critica, nossa reacção instantânea é a raiva. O que acciona esta resposta? É a nossa concepção da situação. Embora possamos não estar conscientes disto, nós mantemos o ponto de vista: "Eu sou perfeito. Se cometo erros, eles são pequenos. Esta pessoa não compreendeu nada da situação. Ela está exagerando meu único e pequeno erro e sai gritando a altos brados para o mundo inteiro! Ela está muito errada!"

Esta é uma descrição ultra-simplificada do que está acontecendo dentro de nós, mas se estivermos conscientes, vamos perceber que sentimos assim. Mas estarão certos estes conceitos? Somos perfeitos ou quase perfeitos? Obviamente que não.

Tomemos uma situação onde cometemos um erro e alguém o nota. Agora, se aquela pessoa chegasse e nos dissesse que temos um nariz em nosso rosto, nós ficaríamos com raiva? Não. Por que não? Porque é óbvio que temos um nariz. Está lá para todo mundo ver. Alguém simplesmente o viu e comentou.

É a mesma coisa com nossos erros e defeitos. Eles estão lá, são óbvios, e o mundo os vê. Aquela pessoa só está comentando o que é evidente para ela e para os outros. Porque devemos ficar com raiva? Se não nos aborrecemos quando alguém diz que temos um nariz, porque deveríamos nos aborrecer quando alguém diz que cometemos erros?

Nós ficaríamos mais relaxados aceitando-os. "Sim, você está certo, eu cometi um erro." Ou, "Sim, eu tenho um mau hábito." Ao invés de encenar o ato de "Eu sou perfeito. Como ousa dizer isto?!", podemos simplesmente admiti-lo e nos desculpar. Ao dizer "Eu sinto muito," a situação fica completamente diluída.

É tão difícil dizer "Sinto muito," não é? Achamos que estamos perdendo algo quando nos desculpamos, que diminuímos de valor, que somos menores. Sentimo-nos ligeiramente covardes, e tememos que a outra pessoa terá poder sobre nós porque admitimos nossos erros. Estes temores nos tornam defensivos.

Tudo isto é nossa projecção errada. Sermos capazes de nos desculpar indica nossa força interna. Somos suficientemente fortes e suficientemente honestos e auto-confiantes que não precisamos fingir que não temos defeitos. Podemos admitir nossos erros. Ter defeitos não faz de nós um objecto para a cesta do lixo! Tantas situações tensas podem ser diluídas com simples palavras como "Sinto muito." Muito frequentemente, tudo que a outra pessoa quer é que reconheçamos a sua dor e o nosso papel nela.

De maneira semelhante, quando os outros nos pedem desculpas, devemos aceitá-las. Este é um dos votos de bodhisattva. Depois que alguém nos pediu desculpas, se continuarmos a guardar rancor, estaremos nos atormentando. Se retaliarmos, o estaremos prejudicando. Qual a utilidade de qualquer coisa dessa? Que tipo de pessoa seremos se encontramos felicidade ao vingativamente impor sofrimento aos outros?

Vamos mudar ligeiramente de situação. Desta vez, somos criticados por algo que não fizemos. Ou cometemos um pequeno erro e a outra pessoa nos acusa de um erro enorme. Mesmo em tais casos, ainda não há motivo para ficar com raiva. É como alguém dizendo que temos chifres em nossas cabeças. Nós não temos chifres. A pessoa que diz isto está simplesmente exagerando a situação. O que ele está dizendo está fora do reino da realidade. Ele cometeu um erro. De maneira semelhante, quando alguém nos culpa injustamente, não há motivo para ficar com raiva ou deprimido, porque o que ele está dizendo é incorrecto.

É claro que isto não significa que devemos simplesmente ficar ali passivos, enquanto o outra mente ou exagera, sem fazermos um esforço para corrigir o mal entendido. Cada situação precisa ser examinada separadamente, usando a sabedoria discriminatória. Em alguns casos, é melhor deixar de lado e nem tentar corrigir, nem mesmo depois. Mais tarde, o outro pode perceber seu erro. Mesmo se não percebê-lo, uma discussão ainda maior pode começar se tentarmos explicar o que aconteceu.

Por exemplo, se sua mãe está de mau humor e começa a implicar com você, é melhor deixar isto de lado. Perdoe-a. Se você tentar explicar, como ela já está irritada, ela pode ficar com mais raiva ainda. E estaríamos resmungando com a nossa mãe por ela estar resmungando connosco! Seria uma amolação ficar corrigindo todo mundo toda vez que ele ou ela dissesse algo impreciso. Além disso, ninguém gostaria de nos ter por perto.

Em outras situações, embora possa ser doloroso, devemos explicar ao outro os nossos atos e a evolução do mal entendido. É nossa responsabilidade fazer isto, e assim mitigar a sua raiva.

É melhor discutir o mal entendido ou discordância quando nem nós nem o outro estiver no calor da raiva. Quando estamos com raiva, não nos expressamos bem e isto piora a situação. Se alguém grita connosco, geralmente não ouvimos o que está dizendo simplesmente porque esta maneira de falar nos desagrada. De forma semelhante, se falarmos aos outros com raiva, eles também não prestarão atenção em nós. Portanto, precisamos primeiro nos acalmar praticando alguma das técnicas de pacificar a raiva.

Em segundo lugar, quando a outra pessoa está com raiva, ela não ouve o que estamos dizendo. Nós não ouvimos os outros quando estamos inflamados porque naquele momento estamos dominados pela raiva. De maneira semelhante, deixe o outro se acalmar e aproxime-se dele mais tarde quando sua mente estiver mais aberta.

Ao explicarmos nossos actos e a evolução do mal entendido à outra pessoa, será muito mais eficaz falar gentilmente do que com antagonismos. Não temos nada a perder sendo humildes e oferecendo uma explicação honesta. Aliás, para as pessoas que têm os votos de bodhisattva, é nossa obrigação aliviar os sofrimentos daqueles que estão com raiva da gente. É cruel dizer com arrogância: "A sua raiva é problema seu," e ignorar alguém com que discutimos.

Assim, recordar o exemplo do nariz e dos chifres é um antídoto contra a raiva.

Agindo ou relaxando 

Uma outra técnica é também simples. Digamos que estamos numa situação horrível. Se pudermos corrigi-la, para que ficar com raiva? Podemos agir, podemos mudá-la. Por outro lado, se não pudermos alterar uma situação, para que ficar com raiva? Não há nada a ser feito, portanto estaremos melhor aceitando a situação e relaxando. Ficar agitado só aumenta o sofrimento que já está lá.

Esta técnica também é boa para as pessoas que se preocupam demais. Pergunte a si mesmo, "Eu posso fazer alguma coisa com relação a esta situação?" Se a resposta for sim, então não há necessidade de se preocupar. Aja. Se a resposta for não, novamente a preocupação é inútil. Relaxe e aceite a situação.

Causa e Efeito 

Uma outra técnica para neutralizar a raiva é examinar como chegamos a nos envolver na situação desagradável. Muitas vezes sentimos que somos vítimas inocentes de pessoas injustas. "Pobre de mim, sou inocente. Não fiz nada e agora esta pessoa sórdida está se aproveitando de mim!"

Isto é uma mentalidade de vítima, não é? Quando ficamos com raiva, nos fazemos de vítimas. A outra pessoa não pode nos fazer de vítima. Não somos vítimas da raiva do outro. Somos vitimas de nossa própria raiva. Uma outra pessoa pode nos culpar, mas só nos tornamos vítimas quando concebemos a situação de uma certa maneira e depois ficamos com raiva daquilo que projectamos. O significado disto é muito profundo. Vejamos isto com mais profundidade.

"Pobre de mim! Eu não perturbei ninguém e agora estas pessoas estão descarregando em mim" Estará correcta essa interpretação de nossa experiência? Ao invés de perder imediatamente a nossa calma e culpar o outro, vamos reconhecer que esta situação é um surgimento dependente. Ela depende tanto da outra pessoa quanto de nós.

Primeiro, vamos olhar para ver o que fizemos nesta vida para encontrar pessoas que nos tratam mal. Como entramos nesta situação? O que fizemos que aborreceu o outro para ele agir assim connosco? Precisamos ser muito honestos connosco. Talvez não sejamos tão inocentes assim. Talvez estivéssemos tentando manipular o outro e ele não caiu. Ele ficou aborrecido e agora nós bancamos o magoado e ofendido. Mas na realidade, nosso próprio comportamento fez surgir aquela situação.

Sendo introspectivos, notaremos nossos defeitos e poderemos corrigi-los. Então não vamos nos encontrar em tais situações desagradáveis no futuro.

Isto significa que nós assumimos a responsabilidade por estar naquela situação, independente do fato de a outra pessoa estar fazendo um alarde indevido, ou não. Reconhecendo nossos erros, ou motivações erradas, ficamos cientes de como o nosso comportamento afecta os outros. Evitando o comportamento destrutivo no futuro, não faremos com que o outro seja activado para nos ferir.

Isto é só olhando ao que fizemos nesta vida para accionar o evento. Vamos agora olhar de uma perspectiva mais ampla, no curso de muitas vidas. Isto nos leva ao tópico do karma — acções intencionais. Nossas acções deixam marcas em nossa consciência. Estas marcas mais tarde amadurecem e influenciam as nossas experiências.

O que vivenciamos agora é resultado daquilo que fizemos em vidas passadas. Digamos que alguém esteja nos batendo. Isto significa que em vidas anteriores fizemos mal aos outros. Para experimentar aquele efeito agora, temos de ter feito algo anteriormente. Karma — acção e seu resultado — é como um bumerangue. O lançamos e ele volta até nós. Similarmente, se tratamos os outros de uma certa maneira, estamos colocando aquela energia no universo — e mais tarde ela retorna até nós.

Compreendendo isto nos permite aceitar a responsabilidade pela situação. Não somos vítima. Prejudicamos muitas outras pessoas no passado —— até mesmo nesta vida podemos ver que não temos agido como anjinhos. Ferimos os sentimentos dos outros, chutamos cachorros, quando éramos crianças brigamos com outras crianças no playground.

Agora estamos experimentando o resultado destes actos. Não há surpresa alguma: as marcas de nossas próprias acções negativas estão amadurecendo. Ao reconhecer isto, veremos que não há motivo para ficar com raiva da outra pessoa. Ela é apenas a condição cooperativa, enquanto nós criamos a causa principal para estarmos nesta situação.

Não interprete isto mal e masoquistamente, nem se culpe por tudo. É uma maneira extrema de pensar: "Eu sou uma pessoa horrível. Todos podem me bater e tirar vantagem de mim porque isto é tudo o que mereço." Tal ponto de vista é completamente incorrecto.

Ao contrário, é melhor reconhecer, "Sim, eu feri aos outros no passado. Agora o resultado está voltando a mim. Se eu não gosto desta experiência, então tenho de ser cuidadoso ao agir com as outras pessoas para que eu não crie a causa para novamente encontrar situações dolorosas como esta."

Assim, aprenderemos com nossos erros. Não é importante lembrarmos exactamente qual foi a nossa acção numa vida passada que resultou em nossos problemas atuais. Uma sensação geral dos tipos de acções que devemos ter feito no passado para precipitar a ocorrência presente é suficiente. Depois, podemos fazer uma forte determinação para não repetir tais acções no futuro.

Quem estiver interessado em aprender mais sobre o karma e seus efeitos, deve ler o livro A Roda das Armas Afiadas de Dharmarakshita. Este pequeno livro explica os elos entre nossas experiências atuais e nossos actos passados. Ele também nos encoraja a abandonar a atitude egoísta que nos leva a agir negativamente.

Treinando-nos a pensar assim, podemos transformar más situações no caminho da iluminação. Como? Pensando nessas situações de maneira construtiva; aprendemos com nossos erros ao invés de cair na armadilha da mentalidade de vitima.

A bondade do inimigo 

Quanto mais treinarmos assim, mais perceberemos que as pessoas que nos fazem mal são de fato muito boas. Primeiro, ao nos causar danos, elas permitem que nosso karma negativo amadureça. Agora aquele karma específico acabou! Em segundo lugar, ao nos fazer mal, elas nos forçam a examinar nossas acções e a tomar decisões firmes quanto a como queremos agir no futuro. Assim, aquele que nos prejudica está nos ajudando a crescer. Ele é mais bondoso do que nossos amigos!

De fato, os inimigos são mais bondosos connosco do que o Buddha. Isto é quase inconcebível. "O que quer dizer meu inimigo é mais bondoso comigo do que o Buddha? O Buddha tem compaixão perfeita por todos. O Buddha não prejudica uma mosca! Como pode o meu inimigo que é um grande blá blá blá ser mais bondoso do que o Buddha?"

Veja isto da seguinte forma: para sermos Buddhas, precisamos praticar a paciência. Esta é uma das atitudes de grande alcance (paramita) e é uma prática muito importante para os bodhisattvas. Não há como tornarmo-nos Buddhas se não conseguirmos ser pacientes e tolerantes.

Com quem praticamos a paciência? Não com os Buddhas, porque eles não nos deixam com raiva. Não com os nossos amigos, porque eles são bons para nós. Quem nos dá a oportunidade de praticar a paciência? Quem é tão bondoso e nos ajuda a desenvolver aquela qualidade infinitamente boa da paciência? Somente aquele que nos faz mal. Somente nosso inimigo. Portanto, o inimigo é muito mais bondoso connosco do que o Buddha.

Meu mestre deixou isto bem claro para mim. Certa vez, eu era vice-directora de uma empresa. O director e eu não nos dávamos bem. É por isso que eu conheço bem o Capítulo Seis do Guia para o Modo de Vida do Bodhisattva. Num dia, eu fiquei com muita raiva desta pessoa, e de noite eu voltei ao meu quarto e pensei, "Eu estourei novamente! O que Shantideva sugere que eu pense nesta situação?"

Finalmente, eu larguei aquele emprego. Fui ao Nepal e encontrei meu mestre, Zopa Rinpoche. Estávamos sentados na varanda da casa de Rinpoche, olhando os Himalayas, tão pacíficos e calmos. Então Rinpoche me perguntou, "Quem é mais bondoso para você, Sam ou o Buddha?"

Eu pensei, "Ele deve estar brincando! Não há como comparar. Obviamente o Buddha é muito bom. Mas Sam é um outro caso." Então eu respondi, "O Buddha, é claro."

Rinpoche olhou para mim como que dizendo, "Você ainda não entendeu!" e disse, "Sam lhe deu a oportunidade de praticar a paciência. O Buddha, não. Você não pode praticar a paciência com o Buddha. Portanto, Sam é mais bondoso com você do que o Buddha."

Eu fiquei sentada lá emudecida, tentando digerir o que Rinpoche disse. Lentamente, quanto os anos se passaram, a coisa entrou. É interessante ver a si mesmo mudar quando você se permite pensar assim.

Portanto, esta é outra maneira de pensar quando estamos com raiva: focalize na bondade do inimigo, e pense na oportunidade de praticar a paciência. Tome as más situações como um desafio para ajudá-lo a crescer.
Dando a dor

Outra técnica é dar o dano e a dor ao nosso pensamento egoísta, que é o nosso verdadeiro inimigo. À medida em que nos tornamos mais conscientes de nossos pensamentos e acções, como eles influenciam os outros e a nós mesmos, notamos que nossa atitude egoísta causa muitos problemas. Impulsionados pelo egoísmo, falamos e fazemos coisas que ferem os outros, coisas do que mais tarde nos envergonhamos. Quase todos os conflitos que temos com os outros envolve o nosso egoísmo: queremos as coisas do nosso jeito, a outra pessoa quer do seu jeito. Estamos convencidos de que nossa ideia é a certa, e a outra pessoa está convencida de que está certa. Além disto, a atitude egoísta é um dos maiores empecilhos para as realizações espirituais porque nos torna preguiçosos em nossa prática do Dharma.

Assim, o verdadeiro inimigo que obstrui a nossa felicidade e bem-estar é a atitude de auto-estima egoísta. Precisamos estar firmemente convencidos disto. Quando alguém nos critica, ou nos trai, ou nos dá uma surra, ficamos feridos e com raiva. Sentimos, "Como esta pessoa ousa me tratar assim!" Esta atitude vê o caso só de nossa própria perspectiva. Estou preocupado comigo, com os meus sentimentos, o que está acontecendo comigo. No entanto, esta atitude egoísta não é inerentemente nós. É como um ladrão dentro de uma casa. Podemos expulsá-lo quando reconhecermos que é perigoso.

Estando convencidos das desvantagens da atitude egoísta, podemos então tomar qualquer dor que experimentamos e dá-la à atitude egoísta. Ao invés de sentir, "Isto é horrível. Eu não gosto de ouvir o que esta pessoa está dizendo," podemos pensar, "Que bom! Toda esta a dor e sentimento de desconforto eu darei à minha atitude egoísta. Este é o verdadeiro inimigo, portanto que ela leve a culpa." Depois podemos subtilmente dar risada, "Ha, ha, atitude egoísta. Ao invés de deixar que me faça infeliz, eu lhe darei esta dor e preocupação!"

Se praticarmos isto com sinceridade, então quando alguém nos criticar ou prejudicar, estaremos felizes. Isto não é porque somos masoquistas, mas porque damos o dano ao verdadeiro inimigo, que é nosso próprio egoísmo. Não precisamos nos aborrecer mais. Além disto, nosso inimigo, a atitude egoísta, está sofrendo, portanto devemos nos alegrar.

Então, quanto mais alguém nos prejudica, mais felizes estaremos. Aliás, pensaremos, "Venha, me critique um pouco mais. Eu quero que minha atitude de auto-estima egoísta seja prejudicada." Esta é uma técnica profunda de treinamento do pensamento. A primeira vez que eu a ouvi, pensei, "Isto é impossível! O que é isso de que eu devo ficar feliz quando alguém me critica? Como é que poderei praticar isto?"

Gostaria de compartilhar com vocês uma história de experiência pessoal, quando eu praticava assim em certa ocasião. Foi memorável! Eu estava no Tibete, numa peregrinação com outras cinco pessoas até Lhamo Lhatso, o famoso lago a 18.000 pés. Como o lago é muito remoto, fomos até lá a cavalo. Havia algo de errado com o cavalo de uma das pessoas, então tivemos de andar e guiar o cavalo pelas rédeas. Henry estava com fome e cansado da longa viagem e devido à elevada altitude. Além disso, ele tinha de andar a pé ao invés de a cavalo. Como eu estava me sentindo bem, ofereci-lhe o meu cavalo.

Bem, Henry estourou. E, como no caso quando as pessoas ficam com raiva, se lembram de tudo que você já fez de errado nos últimos dez anos. Ele me disse todos os meus defeitos de anos atrás, todos os problemas que eu causei a outras pessoas e dos boatos que ele havia ouvido, todos os meus erros!

Cá estávamos neste local idílico no Tibete, numa peregrinação a um local sagrado, e ele lá falando e falando, "Você fez isto e você fez aquilo. Então muitas pessoas reclamam de você".

Geralmente, eu sou muito sensível à critica e facilmente me magoou. Então, eu decidi, "Darei toda esta dor à minha atitude de auto-estima egoísta." Eu meditei assim enquanto andávamos, e muito para minha surpresa, comecei a pensar, "Isto é bom! Eu realmente acolho a sua crítica. Aprenderei com ela. Obrigado por me ajudar a consumir o meu karma negativo dizendo-me os meus defeitos. Toda dor vai para a minha atitude egoísta porque este é o meu verdadeiro inimigo."

Foi surpreendente! Enquanto continuávamos pelas trilhas das montanhas, eu senti, "Diga mais. Isto é realmente bom!" Finalmente, paramos para acampar à noite e fizemos chá. Minha mente estava completamente em paz. Acho que isto foi uma benção da peregrinação. Isto me provou que é possível ser feliz quando coisas indesejáveis acontecem. Eu não precisei cair em meu velho hábito de "Pobre de mim! Os outros não gostam de mim."

É da natureza da pessoa ser desagradável?

Há ainda mais uma técnica para evitar a raiva quando alguém nos prejudica. Perguntamos a nós mesmos, "A natureza desta pessoa é a de nos prejudicar?" Se a natureza da pessoa é prejudicial e odiosa, então é inútil ficar com raiva. Seria como ficar com raiva do fogo porque sua natureza é de queimar. É assim que o fogo é; é assim que esta pessoa é. Não tem sentido se aborrecer com isto.

De forma semelhante, se a natureza da pessoa não é prejudicial, então não adianta ficar com raiva. Seu comportamento sem consideração foi uma casualidade; não é a sua natureza verdadeira. Quando chove, não ficamos com raiva do céu, porque as nuvens não são da natureza do céu.

De um lado, podemos dizer que a natureza dos outros é a de criticar, achar defeitos e culpar. Eles são seres sencientes presos na prisão da existência cíclica, então naturalmente suas mentes estão obscurecidas pela ignorância, raiva e apego. Nossas mentes também estão. Se a situação for esta, então porque esperar que nós ou os outros estejamos livres de conceitos equivocados e emoções negativas? Não há motivo para ficar com raiva deles por causarem danos, assim como não há motivo para ficar com raiva do fogo porque ele queima. É exactamente assim que eles são.

Por outro lado, a natureza mais profunda da pessoa que lhe faz mal não é ser prejudicial. Ela tem o puro potencial de Buddha, sua bondade intrínseca. Esta é a sua verdadeira natureza. Seu comportamento odioso é como uma nuvem de trovoada que obscurece temporariamente o céu claro. Aquele comportamento não é ele, então para que ficarmos infelizes sendo impacientes? Pensando assim ajuda muito.

Precisamos aplicar estas técnicas às situações reais. Em nossa meditação diária, podemos puxar as experiências dolorosas de nossa memória e olhá-las sob esta luz. Todos nós temos um reservatório de memórias dolorosas ou rancores que ainda guardamos contra os outros. Ao invés de suprimi-los, é bom puxá-los para fora e interpretar aquelas situações usando alguns dos métodos acima. Assim, deixaremos de ter sentimentos dolorosos e ressentimentos.

Se não fizermos isto, poderemos ter rancores por 20 ou 30 anos. Nunca esquecemos o mal que recebemos e nos tornamos infelizes quando guardamos cuidadosamente estas memórias. Por exemplo, durante o primeiro retiro de purificação que eu fiz na Índia, eu percebi que ainda estava com raiva de minha professora do segundo ano primário porque ela não me deixou participar do teatrinho da classe. Isto tinha acontecido há mais de 20 anos e eu ainda não a havia perdoado!

As famílias são muito boas em guardar rancores. Eu conheço uma família grande que possui duas casas num mesmo terreno. As casas foram compradas juntas como casas de campo. Certa vez, as pessoas de uma casa brigaram com seus irmãos e primos na outra casa, e desde então deixaram de se falar. Há mais de quarenta anos, decidiram que se odeiam e não se falam pelo resto da vida. As famílias ainda vão até lá nos feriados, mas não se falam. É meio ridículo, não é?

Vejamos os rancores que ainda guardamos durante anos: um pequeno incidente acontece — alguém não veio a um casamento ou funeral, ou alguém riu de nós, ou alguém nos embaraçou na frente dos outros — e juramos nunca mais falar ou ser gentil com aquela pessoa enquanto vivermos. Guardamos este tipo de voto tão perfeitamente, e no entanto achamos difícil guardar os votos de não mentir ou roubar.

Durante anos ficamos com raiva de outra pessoa. Mas quem sai perdendo? Quem fica infeliz? Quando guardamos um rancor, a outra pessoa não fica infeliz. Ela geralmente já esqueceu o incidente. Mesmo numa situação mais séria, por exemplo um divórcio, o outro pode ter se desculpado pelo que fez. Mas em ambos os casos, nos apegamos ao mal como estivesse gravado na pedra. Certa vez alguém nos xingou, mas repassamos esta memória em nossas mentes dia após dia, e revivemos o mal vez após vez. Isto é uma excelente forma de auto-tortura.

Guardar rancor não serve a nenhum propósito produtivo. Como um câncer mental, os rancores nos consomem. Enquanto guardarmos ressentimentos, nunca poderemos perdoar aos outros. Mas a nossa falta de perdão não fere o outro, mas sim a nós mesmos.

Porque é tão difícil perdoar os erros dos outros? Nós também cometemos erros. Vendo o nosso próprio comportamento, notamos que algumas vezes fomos vencidos pelas emoções negativas e agimos de modo que mais tarde nos arrependemos. Queremos que os outros compreendam e perdoem os nossos erros. Porque então não podemos perdoar aos outros?

Podemos, é claro, perdoar alguém sem sermos ingénuos. Podemos perdoar um alcoólatra por estar bêbado, mas isto não significa que esperamos que ele deixe de beber imediatamente. Podemos perdoar uma pessoa por nos ter mentido, mas no futuro, pode ser prudente ter cuidado e verificar suas palavras. Pode-se perdoar um cônjuge por ter tido uma relação extraconjugal, mas não se deve ignorar os problemas conjugais que levaram o outro a buscar companhia em outro lugar.

Para ter um coração livre e aberto, precisamos fazer uma faxina interna; precisamos tirar todos aqueles rancores, ver a dor, mas sem repassar o mesmo vídeo de auto-piedade em nossas mentes. Podemos ver estas situações de uma perspectiva nova, empregando as diversas técnicas para dissolver a raiva que foram descritas acima.

Assim, soltaremos a hostilidade que estivemos carregando em nossos corações durante anos. Além disso, ganharemos familiaridade com as técnicas de forma que poderemos rapidamente recordá-las quando incidentes semelhantes acontecerem em nossas vidas diárias.
A outra pessoa está feliz?

Mais uma técnica para a raiva é perguntarmo-nos, "A pessoa que está fazendo mal a mim está feliz?" Alguém está gritando comigo, reclamando de tudo que eu faço. Ele está feliz, ou está se sentindo miserável? Obviamente, ele está se sentindo infeliz. É por isso que está agindo assim. Se estivesse feliz, não estaria discutindo.

Todos nós sabemos o que é ser infeliz. É exactamente assim que esta pessoa está se sentindo agora. Vamos nos colocar em seu lugar. Quando estamos infelizes e "colocando tudo para fora," como gostaríamos que os outros reagissem? Geralmente, queremos que nos compreendam, que nos ajudem.

É assim que esta pessoa está-se sentindo. Então, como poderemos ter raiva dela? Ela deveria ser objecto de nossa compaixão, não de nossa raiva. Se pensarmos assim, veremos o nosso coração cheio de paciência e bondade-amorosa pelo outro, não importa como ele age connosco.

Nossas atitudes mudam, porque ao invés de ver a situação de nosso próprio ponto de vista auto-centrado — o que alguém está fazendo comigo — se nos colocarmos no lugar da outra pessoa, vamos experimentar a sua dor, sentir a sua vontade de ser feliz. Vendo que em essência o outro é exactamente como nós somos, é fácil pensar, "Como eu posso ajudá-lo?" Tal atitude não só evita que fiquemos aborrecidos, mas também nos inspira a aliviar o sofrimento do outro.

Várias técnicas foram aqui discutidas para ajudar a dissolver a nossa raiva. Vamos revê-las:

  1. Lembre o exemplo de alguém dizendo que temos um nariz ou que temos chifres. Podemos reconhecer nossos erros e defeitos, assim como reconhecemos que temos um nariz no rosto. Não há necessidade de ficar com raiva. Por outro lado, se alguém nos culpa por algo que não fizemos, é como se tivesse dito que temos chifres em nossa cabeça. Não há motivo para ficar com raiva de algo que não é verdadeiro.
  2. Pergunte a si mesmo, "Eu posso fazer algo sobre isto?" Se puder, então a raiva não tem sentido porque você pode melhorar a situação. Se não puder
    mudar a situação, a raiva é inútil porque nada pode ser feito. 
  3. Examine como se envolveu na situação. Isto tem duas partes:

    a) Que acções você cometeu recentemente para instigar o desacordo? Examinar isto ajuda a compreender porque a outra pessoa está aborrecida.

    b) Reconheça que situações desagradáveis são devidas ao fato de termos causado mal aos outros anteriormente nesta vida ou em vidas prévias. Vendo nossas próprias acções destrutivas como causa principal, podemos aprender com os erros passados e decidir agir melhor no futuro. 
  4. Lembre-se da bondade do inimigo. Primeiro, ele aponta nossos erros de forma que podemos corrigi-los e melhorar nosso carácter. Em segundo lugar, ele nos dá a oportunidade para praticar a paciência, uma qualidade necessária ao nosso desenvolvimento espiritual. Nessas maneiras, o inimigo é mais bondoso connosco do que nossos amigos ou até mesmo o Buddha. 
  5. Dê a dor à sua atitude egoísta reconhecendo que o egoísmo é como que a fonte de todos os nossos problemas. 
  6. Pergunte a si mesmo, "A natureza desta pessoa é agir assim?" Se for, então não há razão para ter raiva, porque seria como ficar aborrecido com o fogo por estar queimando. Se não for a natureza da pessoa, novamente a raiva é irrealista, porque seria como ficar com raiva do céu por estar com nuvens. 
  7. Examine as desvantagens da raiva e de guardar rancor. Isto dá uma tremenda energia para soltar estas emoções destrutivas. 
  8. Reconheça que a infelicidade e confusão da outra pessoa está fazendo com que ele ou ela nos façam mal. Como sabemos o que é ser infeliz, podemos ter simpatia com esta pessoa. Assim, esta pessoa se torna objecto de nossa compaixão, não objecto de nossa raiva. 
Se estas técnicas funcionarão para nós ou não vai depender de nós mesmos. Temos de praticá-las repetidamente para construir novos hábitos emocionais e mentais. Guardar o remédio na gaveta sem tomá-lo não vai curar a doença. De forma semelhante, apenas ouvir os ensinamentos sem colocá-los em prática não vai diminuir a nossa raiva. A nossa paz de espírito é de nossa responsabilidade. 

Perguntas e respostas 

Ser paciente com as pessoas que nos prejudicam significa ser passivo? Precisamos deixar que prevaleçam suas opiniões ou deixar que nos pisem? 

Não. Podemos corrigir uma má situação sem antagonismos. Aliás, seremos mais efectivos agindo assim, quando estivermos calmos e com o pensamento claro.

Às vezes precisaremos ter de falar com alguém com firmeza porque esta é a única maneira de nos comunicar com esta pessoa. Por exemplo, se sua filha está brincando na rua e você diz muito docemente, "Susie querida, por favor não brinque na rua," ela pode ignorá-lo. Mas se falar com firmeza e explicar-lhe o perigo, ela se lembrará e obedecerá.

Como um entusiasta do esporte, não será boa a raiva porque nos ajuda a ganhar o jogo? O esporte é uma boa maneira de soltar a raiva? 
Sim, o esporte é uma maneira socialmente aceitável para soltar a raiva. No entanto, não cura a raiva, só libera temporariamente a energia física que acompanha a raiva. Mas, ainda estaremos evitando o verdadeiro problema, isto é, nossas emoções perturbadoras e conceitos equivocados com relação a uma situação.

Sim, a raiva pode ajudá-lo a ganhar o jogo, mas será isto realmente benéfico? Vale a pena reforçar esta característica negativa só para receber um troféu? O perigo no esporte é tornar o "nós e eles" muito concreto. "O meu time deve vencer. Temos de lutar e derrotar o inimigo."

Mas, vamos recuar um momento. Porque deveríamos ganhar e o outro time perder? A única razão é a seguinte, "Meu time é melhor porque é meu." O outro time sente a mesma coisa. Quem está certo? A competição baseada em tal auto-centrismo não é produtiva porque gera raiva e ciúme.

Por outro lado, podemos nos concentrar no processo de jogar o jogo, e não no alvo de vencer. Neste caso, apreciaremos o exercício físico, a camaradagem e o espírito de equipe, seja vencendo ou perdendo. Psicologicamente, esta atitude traz mais felicidade.

Como devemos lidar com a raiva ao testemunhar uma pessoa prejudicando a outra? 
Todas as técnicas descritas acima se aplicam aqui. No entanto, ser paciente não significa ser passivo. Podemos ter de agir para impedir que uma pessoa faça mal à outra, mas a chave é fazer isto com compaixão imparcial por todos na situação.

É fácil ter compaixão pela vítima. Mas a compaixão pelo criminoso é igualmente importante. Esta pessoa está criando a causa para o seu próprio sofrimento: mais tarde ele pode ser torturado pela culpa, ele pode ter problemas com a lei, e ele colherá os frutos kármicos de suas próprias acções. Reconhecendo os sofrimentos que ele está trazendo para si mesmo, poderemos desenvolver a compaixão por ele. Assim, com preocupação igual pela vítima e pelo criminoso, podemos agir para evitar que uma pessoa faça mal a outra.

Não precisamos estar com raiva para corrigir um erro. As acções movidas pela raiva podem complicar ainda mais a situação! Com uma mente clara, somos capazes de determinar mais facilmente o que podemos fazer para ajudar.

Como posso ajudar alguém que esteja criando karma negativo tendo raiva de mim? 
Cada situação é diferente e deve ser examinada separadamente. No entanto, algumas linhas gerais podem ser aplicadas. Primeiro, devemos verificar se a queixa do outro a nosso respeito se justifica. Se sim, podemos nos desculpar e corrigir a situação. Isto cessa a raiva do outro.

Em segundo lugar, quando alguém está muito aborrecido ou com raiva, tente acalmá-lo. Não argumente, porque no seu atual. estado mental, ele não pode ouvi-lo. Isto é compreensível: nós não ouvimos os outros quando estamos temperamentais. Portanto, é melhor ajudá-lo a se acalmar e mais tarde, talvez no dia seguinte, conversar.

O que devemos fazer quando as pessoas criticam o budismo? 

Isto é opinião deles. Eles têm o direito de tê-la. É claro que não concordamos com eles. Às vezes podemos conseguir corrigir o conceito equivocado do outro, mas às vezes as pessoas têm a mente muito estreita e não querem mudar suas opiniões. Isto é assunto deles. Simplesmente esqueça.

Não precisamos da aprovação dos outros para praticar o Dharma. Mas precisamos estar convencidos em nossos corações de que o que fazemos é certo. Se estivermos convencidos, então as opiniões dos outros não são importantes.

A critica dos outros não prejudica o Dharma ou o Buddha. O caminho da iluminação existe, quer os outros o reconheçam ou não. Nós não precisamos ficar defensivos. Aliás, se ficarmos agitados quando os outros criticam o budismo, isto indica que estamos apegados às nossas crenças, que nosso ego está envolvido e portanto sentimos compelidos a provar que nossas crenças estão certas.

Quando estamos seguros daquilo que acreditamos, as críticas dos outros não perturbam a nossa paz. Porque deveriam? Críticas não significam que nossas crenças estejam erradas, nem significa que nós somos estúpidos ou maus. É simplesmente a opinião de uma outra pessoa, só isso.

O budismo tibetano tem muitas imagens de divindades iradas. O que isto significa? 

Estas divindades ou figuras de Buddhas são manifestações da sabedoria e compaixão do Buddha. Sua ferocidade não é dirigida aos seres viventes, porque como Buddhas, eles só têm compaixão pelos outros. Ao contrário, sua força é dirigida à ignorância e ao egoísmo, que são as verdadeiras causas de todos os nossos problemas.

Ao mostrar um aspecto feroz, essas divindades demonstram a necessidade de agir rapidamente e com firmeza contra a nossa ignorância e nosso egoísmo. Não é nada benéfico ser pacientes com os nossos inimigos internos, que são as atitudes perturbadoras. Devemos nos opor activamente contra isto. Essas divindades ilustram que, ao invés de ficarmos irados com os outros seres, devemos ser ferozes com os inimigos internos, como a ignorância e o egoísmo.

Além disso, como manifestações da sabedoria compassiva, estas divindades representam simbolicamente a sabedoria compassiva conquistando as atitudes perturbadoras. 

Como identificar a nossa raiva? 
Existem diversas maneiras de fazer isto. Quando fazemos a meditação com a respiração — claramente focalizando o ar ao inalar e exalar, observe que distracções surgem. Podemos reconhecer uma sensação geral de agitação ou raiva. Ou podemos lembrar de uma situação de anos atrás que ainda nos irrita. Ao notar estas distracções, saberemos o que precisamos trabalhar.

Podemos também identificar nossa raiva ficando cientes de nossas reacções físicas, estejamos meditando ou não. Por exemplo, se sentirmos nosso estômago apertando, ou a temperatura de nosso corpo aumentando, pode ser um sinal de que estamos começando a perder a nossa calma. Cada pessoa tem manifestações físicas diferentes da raiva. Podemos ser observadores e notar as nossas. Isto é útil, porque às vezes é mais fácil identificar as sensações físicas que acompanham a raiva do que a própria raiva.

Uma outra maneira é observar nossos humores. Quando estamos de mau humor, podemos dar uma pausa e nos perguntar, "O que é esta sensação? O que a instigou?" Às vezes podemos observar padrões em nossos humores e comportamentos. Isto nos dá uma pista de como nossa mente opera.

O que podemos fazer com a raiva que vem se acumulando há muito tempo?
Levará um tempo para libertar nossa mente disto. A raiva habitual deve ser substituída pela paciência habitual, e isto leva tempo e esforço consistente para ser desenvolvido. Quando notamos que nossa raiva está crescendo com relação a alguém, é bom perguntarmo-nos, "Que botão esta pessoa está apertando em mim? Porque fico tão irritado com seus actos" Assim, pesquisamos nossas reacções para determinar a verdadeira questão do assunto. Nos sentimos impotentes? Nos sentimos que ninguém nos ouve? Estamos ofendidos? Observando nesse sentido, vamos nos conhecer melhor e podemos então aplicar o antídoto correcto àquela atitude perturbadora. É claro que prevenir é o melhor remédio. Ao invés de deixar a sua raiva crescer durante um longo tempo, é melhor ser corajoso e tentar se comunicar com a outra pessoa mais cedo. Isto acaba com a proliferação de conceitos equivocados e mal entendidos. Se deixarmos nossa raiva crescer durante um tempo, como poderemos pôr a culpa na outra pessoa? Nós temos alguma responsabilidade de tentar nos comunicar com a pessoa que nos perturba.

Dedicação 

Vamos agora dedicar o potencial positivo que acumulamos para que todos os seres tenham mentes pacificas, livres de hostilidade. Ao praticar a paciência, possamos dissipar a nossa própria raiva, e assim, possamos ser capazes de ensinar aos outros e inspirá-los a se transformarem em Buddhas pacíficos.

(Adaptado de um texto traduzido e divulgado pelo Centro Shiwa Lha.)

As Quatro Nobres Verdades

As Quatro Nobres Verdades

Assim foi dito por Buddha, o Iluminado:
Foi por não compreender e por não realizar quatro coisas que eu discípulos, da mesma forma que vocês, tive que vagar tão longamente através desta roda de renascimentos.
E quais são estas quatro coisas? São elas:
  • A Nobre Verdade do Sofrimento;
  • A Nobre Verdade da Causa do Sofrimento;
  • A Nobre Verdade da Extinção do Sofrimento, ou a Verdade da Felicidade;
  • A Nobre Verdade da Senda que leva à extinção do Sofrimento, ou à realização da Felicidade.
Enquanto o absoluto e verdadeiro conhecimento e introspecção relativos a estas Quatro Nobres Verdades não estavam perfeitamente claros em mim, então eu não estava certo que eu tinha atingido esta suprema iluminação que é insuperável em todo o mundo com seus seres humanos e divinos, entre toda a hoste de ascetas, de pregadores e de monges.
Mas tão logo o absoluto e verdadeiro conhecimento e introspecção a respeito destas Quatro Nobres Verdades se tornaram perfeitamente claros em meu interior, então surgiu em mim a certeza de que eu tinha atingido esta Suprema Iluminação insuperável.
E eu descobri esta profunda verdade, difícil de perceber, difícil de compreender, tranquilizante e sublime, a qual não é para ser ganha por mero intelecto e é visível apenas ao sábio.
O mundo, entretanto, é dado aos prazeres, delicia-se com os prazeres, é encantado com os prazeres. Verdadeiramente, tais seres dificilmente irão compreender a lei da condicionalidade, a Origem Dependente de todos os fenómenos. Incompreensível será também para eles o fim de todas as formações, o abandono de todo substrato do renascimento, o desaparecimento do desejo, do apego, a extinção: Nibbana.
Entretanto, existem uns poucos, cujos olhos estão cobertos com uma leve camada de poeira; estes compreenderão a verdade.

A Primeira Nobre Verdade:
A Verdade do Sofrimento

Nascimento é sofrimento, envelhecimento é sofrimento, morte é sofrimento, tristeza, lamentação, dor, pesar e desespero são sofrimentos. Não ter o que se deseja é sofrimento; unidos com aqueles que não gostamos é sofrimento; separados daqueles que amamos é sofrimento. Em resumo: os cinco agregados da existência são sofrimentos.
O que é Tristeza? A tristeza surge através desta ou daquela perda ou infortúnio que a pessoa depara. Aquilo que abate profundamente a pessoa, que leva a um estado mental alarmado, cheio de tristeza e mágoa: isto é chamado tristeza.
O que é Lamentação? Seja o que for que acontece com as pessoas, esta ou aquela perda ou infortúnio que as leva a lastimar e a lamentar, a reclamar e a protestar, o estado mental de mágoa, tristeza e lamentação. Isto é chamado lamentação.
O que é a Dor? É a dor corporal. São as sensações dolorosas e desagradáveis, produzidas pelas impressões corporais. Isto é chamado dor.
O que é o Pesar? É a dor mental. São as sensações dolorosas e desagradáveis produzidas pelas impressões mentais. Isto é chamado pesar.
O que é o Desespero? É a tristeza, lamentação e pesar em estágio mais profundo e doloroso que surge através deste ou daquele infortúnio que alguém depara em sua vida. Isto é chamado desespero.

Os cinco agregados da Existência

São: corpo, sensação, percepção, formações mentais e consciência.
  • Corpo: É formado pelos quatro elementos e a corporealidade dependente deles. Os quatro elementos são: sólido, líquido, calor e ar.
  • Sensação: Existem três tipos de sensações: agradável, desagradável e neutra. Estas três se tornam dezoito porque ocorrem nas seis janelas dos sentidos: visão, audição, olfacto, paladar, corpo e mente.
  • Percepção: O que é? “Percebe-se meu amigo, portanto isto é percepção.” Existem seis classes de percepção: percepção das formas (visão) dos sons, odores, gosto, impressões corporais e objectos mentais.
  • Formações Mentais: São os elementos formadores da consciência: contacto, volição e atenção. Há seis tipos de volição em relação à visão, audição, olfacto, paladar, corpo e mente.
  • O grupo  da Consciência: Há seis tipos de consciência: consciência em relação à visão, audição, paladar, corpo e mente.

Origem dependente da Consciência

O surgimento da consciência é dependente de condições e sem estas condições nenhuma consciência surge. E dependendo de tais condições surge um determinado tipo de consciência, assim ela é chamada:
  • Consciência cujo surgimento depende dos olhos e o mundo material, é chamada consciência visual.
  • Consciência cujo surgimento depende dos ouvidos e os sons, é chamada consciência auditiva.
  • Consciência cujo surgimento depende do nariz e dos odores, é chamada consciência olfactiva.
  • Consciência cujo surgimento depende da língua e do paladar, é chamada consciência do paladar.
  • Consciência cujo surgimento depende do corpo e tudo que toca o corpo, é chamada consciência do corpo.
  • Consciência cujo surgimento depende da mente e objectos da mente, é chamada consciência da mente.

A Consciência depende dos outros Quatro Agregados da Existência

E é impossível que alguém possa explicar o passamento de uma para outra existência e a entrada para uma nova existência ou o crescimento, aumento e desenvolvimento da consciência, independentemente da corporealidade, sensação, percepção e formações mentais.

A Três Características da Existência

Todas as formações são impermanentes; todas as formações são insatisfatórias e todos os fenómenos psico-físicos são vazios de um Ego. O corpo é transitório, sensação é transitória, percepção, formações mentais e consciência são transitórias.
E aquilo que é transitório é sujeito a sofrimento. E aquilo que é impermanente e sujeito a sofrimento e mudanças não se pode correctamente dizer: Isto pertence a mim; isto sou eu; isto é o meu Ego.
Portanto, em relação aos cinco agregados da existência, deve-se entender de acordo com a realidade e a verdadeira sabedoria:

Isto não sou eu
Isto não pertence a mim
Isto não é o meu Ego

A Doutrina do Não Eu (Anatta)

A existência individual, da mesma forma que todo o mundo, é, na realidade nada, além de um processo fenoménico de ininterrupta mudança, o qual está todo compreendido nos cinco agregados da existência.
Este processo vem fluindo desde tempos imemoriais, antes do nosso nascimento e também após a nossa morte continuará por interminável período de tempo, enquanto e até quando houver condições para tal.
Os cinco agregados da existência, tomados separadamente ou em conjunto, em nenhuma maneira constitui um real Ego-entidade ou personalidade e igualmente nenhum subjectivismo, alma ou substância pode ser encontrada fora desses grupos como seu dono ou possuidor.

Em outras palavras; os cinco agregados da existência são "não-ego" nem eles pertencem a um Ego. Em vista da impermanência e condicionalidade de toda existência, a crença em qualquer forma de Ego ou Subjectivismo, eu ou pessoa, deve ser considerada como uma ilusão.
A designação pela palavra "casa", e meramente um nome conveniente para vários materiais colocados conjuntamente, como cimento, areia, pedras, tijolos, portas, janelas, telhas etc., após um certo modelo e deixando um espaço vazio entre as paredes, mas na realidade não há nada que eu possa tocar e dizer: “isto aqui é uma casa” além daqueles materiais. Da mesma forma aquilo que chamamos ser, indivíduo, pessoa, ou eu, não é nada, mas uma constante combinação de fenómenos psíquico-fisicos e que não têm existência real em si mesmo.
Esta é em resumo a doutrina do não-eu (Anatta) do Buddha, o ensinamento que toda a existência é vazia de uma entidade permanente ou substância.
Suponhamos que um homem, que não seja cego, observa as centenas de bolhas do rio Ganges, enquanto elas fluem rio abaixo, e ele as contempla e cuidadosamente as examina. E após este cuidadoso exame, elas aparecem para ele vazias, irreais e sem qualquer substância.
Da mesma forma, o discípulo contempla todos os fenómenos corporais, as sensações, percepções, formações mentais e estados de consciência, sejam eles do passado, presente ou futuro, próximo ou distantes. E ele observa com plena atenção e os examina cuidadosamente e após esta cuidadosa pesquisa, eles aparecem para ele como ocos, vazios, insubstanciais e sem um Ego.

As Três Advertências

Velhice, doença e morte. Você nunca viu em sua vida, neste mundo, um homem ou mulher, 80, 90, 100 anos ou mais, frágil, encurvado como um telhado empenado, apoiando-se em muleta, com passos de criancinha, sem firmeza, a juventude há muito o deixou, com dentes quebrados, cabelos escassos ou calvo, rugados com membros manchados e o pensamento nunca veio em sua mente que você também está sujeito á velhice, que você também não escapará dela?
Você nunca viu neste mundo um homem ou mulher que esteja doente, atingido por grave doença, espojando-se nas suas próprias porcarias, levantado da cama por alguém e novamente colocado por outros? E o pensamento nunca veio em sua mente que você também está sujeito à doença, que você também não escapará dela?
Você nunca viu em sua vida o cadáver de um homem ou mulher, um, dois ou três dias após a morte e nunca o pensamento veio à sua mente que você também está sujeito à morte, e que não há fuga para isto?

Samsara: O Mar da Existência

Inconcebível é o princípio deste Samsara, não para ser descoberto em qualquer primeira causa dos seres, os quais obstruídos pela ignorância e enganados pelo desejo, são levados de roldão através desta roda de renascimento.
Samsara, também chamado a Roda da Vida, é o contínuo processo de sempre repetidamente nascer, crescer, envelhecer e morrer. Na realidade, é a inquebrantável sequência da combinação dos cinco agregados da existência, os quais, constantemente mudando de momento a momento continuamente, um após o outro, através de inconcebíveis períodos de tempo.
O que você pensa que é mais? A torrente de lágrimas, na qual, chorando, pranteando e lamentando, você já verteu ao longo desta interminável caminhada, sendo levado de roldão através desta roda de renascimento, unidos com os indesejáveis e separados dos desejáveis — isto, ou as águas dos três grandes oceanos?
Por tanto tempo você tem sofrido a morte do pai e mãe, de filhos, filhas, irmãos, irmãs. E enquanto assim, você estava sofrendo, você verteu realmente mais lágrimas do que as águas dos três grandes oceanos.
Mas como isto é possível? Porque é inconcebível o princípio deste qualquer Samsara, não para ser descoberto em enganados pelo desejo, são levados de roldão através desta roda de renascimento.

A Segunda Nobre Verdade: A Nobre Verdade da Origem do Sofrimento

Qual é a causa do sofrimento? É a ignorância, desejo e apego; cobiça, ódio e ilusão; orgulho, egoísmo, inveja e vaidade.

Três Tipos de Desejo

  • Desejo para os prazeres dos sentidos.
  • Desejo de eternalismo — existência eterna.
  • Desejo de aniquilamento com a morte.

Origem do Desejo

 Mas onde o desejo surge, aonde ele encontra sua raiz? Aonde for que neste mundo existam coisas deliciosas e agradáveis, lá o desejo surge, lá ele toma raízes. Olhos, ouvidos, nariz, língua, corpo e mente são deliciosos e agradáveis; lá o desejo surge e toma raiz.
Objectos visuais, sons, cheiros, gostos, impressões corporais e objectos mentais são deliciosos e agradáveis; lá o desejo surge e toma raiz.
Consciência, impressões sensoriais, sensação nascida das impressões sensoriais, percepção, vontade, pensamento e reflexão são deliciosos e agradáveis: lá o desejo surge e toma raiz.

Origem Dependente de Todos os Fenómenos

  • Ignorância condiciona às formações kármicas.
  • As formações kármicas condicionam a consciência.
  • A consciência condiciona os fenómenos psico-físicos.
  • Os fenómenos psico-físicos condicionam as seis bases.
  • As seis bases condicionam o contacto.
  • O contacto condiciona a sensação.
  • A sensação condiciona o desejo.
  • O desejo condiciona o apego.
  • O apego condiciona o vir-a-ser.
  • O vir-a-ser condiciona o nascimento.
  • O nascimento condiciona a decadência e morte, tristeza, lamentação, dor, pesar, ressentimento e desespero.
Assim surge toda esta imensa massa de sofrimento.

Futuro Resultado do Karma

 As pessoas que tomam um mau caminho e agem erradamente pelos pensamentos, palavras e actos, quando ocorre a morte, eles caem em um inferior estado de existência, um estado de sofrimento, um infeliz destino no abismo do inferno.

Karma como Volição

É a volição que eu chamo Karma. Tendo vontade, a pessoa age pelo corpo, palavra e mente.
Existem karmas cujos resultados são no inferno, no reino animal, ou no domínio dos fantasmas, entre os homens ou nos mundos celestiais.

Os resultados kármicos são:
  • aqueles cujo retorno é na vida presente;
  • aqueles cujo retorno é na próxima vida;
  • aqueles cujo retorno é em vida futura.

Herança das Acções

Todos os seres são proprietários de suas acções, são herdeiros de suas acções; suas acções são o ventre do qual eles surgem; com suas acções eles estão ligados, suas acções são seus refúgios: sejam quais forem as acções que eles executam — boas ou mas — destas eles serão os herdeiros.
E onde quer que os seres novamente entrem na existência, lá suas acções irão amadurecer; e onde quer que suas acções amadureçam, lá eles irão colher os frutos daquelas acções, seja nesta vida, seja próxima vida ou em qualquer outra vida futura.

A Terceira Nobre Verdade:
A Nobre Verdade da Extinção do Sofrimento,
ou a Verdade da Felicidade

O que é a Nobre Verdade da Extinção do Sofrimento? É o completo desaparecimento e extinção da ignorância do desejo, seu enfraquecimento e abandono, libertação e desapego dele.
Mas onde esta ignorância e desejo devem enfraquecer, onde devem eles extinguir. Onde que neste mundo existam coisas deliciosas e agradáveis, lá a ignorância e o desejo devem enfraquecer, lá eles devem extinguir.
Seja no passado, presente ou futuro qualquer que seja o monge ou discípulo que considera e enfoca as coisas deliciosas e agradáveis deste mundo como impermanentes, insatisfatórias e impessoais (sem um Ego), como sendo uma doença, é ele que vai superar a ignorância e o desejo.

Extinção Dependente de Todos os Fenómenos

  • Do abandono e cessação da ignorância, a cessação das formações kármicas.
  • Da cessação das formações kármicas, a cessação da consciência.
  • Da cessação da consciência, a cessação dos fenómenos psico-físicos.
  • Da cessação dos fenómenos psico-físicos, a cessação das seis bases.
  • Da cessação das seis bases, a cessação do contacto.
  • Da cessação do contacto, a cessação da sensação.
  • Da cessação da sensação, a cessação do desejo.
  • Da cessação do desejo, a cessação do apego.
  • Da cessação do apego, a cessação vir-a-ser.
  • Da cessação do vir-a-ser, a cessação do nascimento.
  • Da cessação do nascimento, a cessação da decadência e morte, tristeza, lamentação, dor, pesar, ressentimento e desespero.
Assim se dá a cessação de toda esta imensa massa de sofrimento.
Se um fogo que está sendo alimentado por gravetos não obtém mais este combustível, ele irá, após consumir todo o velho combustível, tornar-se extinto.
Da mesma forma, o processo dos cinco agregados da existência, que no ignorante cria a ilusão de um Ego-entidade, é produzido e alimentado pela ignorância, desejo e apego e mantido pelo armazenamento desta energia vital. Após este combustível ter cessado e se um novo combustível (ignorância, desejo e apego) não mais impelir o processo dos cinco agregados da existência, a vida continuará enquanto e até quando existir energia vital acumulada, mas com a sua destruição na morte, os cinco agregados da existência alcançarão final extinção. Isto é Nibbana ou extinção do sofrimento.

Nibbana

Isto verdadeiramente é paz, isto é o mais elevado, a saber, o fim de todas as formações kármicas, o abandono de todo substrato de novo nascimento, o fim da ignorância, desejo, apego, extinção, Nibbana.
Assim é Nibbana, imediato, visível nesta vida, convidativo, atractivo e compreensível pelo sábio.
A extinção da ignorância, desejo e apego; da cobiça, ódio e ilusão; isto verdadeiramente é chamado Nibbana.

Arahat: O Santo, Sábio e Iluminado

E para o discípulo assim livre, em cujo coração reina a paz, não há nada mais a ser acrescentado àquilo que ele já fez nem nada mais resta para ele a fazer. Como uma sólida massa de rocha permanece inabalável pelo vento, do mesmo modo, nem formas visuais ou som, nem odores ou gosto, nem o contacto de qualquer natureza, nem o desejável ou o indesejável poderão fazê-lo entrar em vibração. Inabalável está a sua mente, foi ganha a libertação.
E ele que já considerou todos os contrastes deste mundo, não é mais perturbado por nada, seja o que for, pacífico por excelência, livre da raiva, da tristeza e da saudade, ele passou além do nascimento, da decadência e da morte.

O Imutável

Verdadeiramente, existe um Reino, onde não há nem o sólido ou líquido, nem o elemento calor e nem o ar, nem este mundo nem outro mundo, nem o sol ou a lua.
Isto eu chamo, nem surgimento ou passamento, nem permanecer imóvel, nem nascimento ou morte. Não há nenhum apoio para os pés, nenhum desenvolvimento ou qualquer base. Isto é o fim do sofrimento.
Existe o não-nascido, o não-originado, o não-criado e não-formado. Se não existisse este não-nascido, o não-originado, o não-criado e não-formado, a libertação do mundo do nascido, do originado, do criado e do formado não seria possível.

Mas desde que existe o não-nascido, o não-originado, o não-criado e o não-formado, consequentemente, é possível a libertação do mundo do nascido, do originado, do criado e do formado.

A Quarta Nobre Verdade:
 A Nobre Verdade da Senda que
Leva à Extinção do Sofrimento

Os Dois Extremos e o Caminho do Meio

Entregar-se a si mesmo nos prazeres sensuais, o comum, vulgar, mundano sem qualquer proveito para a vida santa ou entregar-se às duras práticas ascéticas de mortificação do como, que é doloroso, e também sem qualquer proveito para a vida santa.
Estes dois extremos o Iluminado rejeitou e descobriu a Senda do Meio, a qual proporciona a qualquer um a capacidade de ver e de conhecer, que leva à paz, ao discernimento, à iluminação e ao Nibbana.
E qual é este Caminho do Meio? É a Nobre Senda Óctupla. É a Quarta Nobre Verdade, o Caminho que leva à extinção do sofrimento.
Palavra Correcta
Acção correcta
Meio de Vida Correcto 
Moralidade 
Esforço Correcto
Plena Atenção Mental Correcta
Concentração Correcta  
Cultura Mental
Correcta Compreensão
Correcto Pensamento 
Sabedoria 

Este é o Caminho do Meio, descoberto pelo Abençoado, o qual proporciona a qualquer um a ver e a compreender que leva à paz, ao discernimento, à iluminação e ao Nibbana.

Livre da dor e da tortura é esta senda, livre de lamento e sofrimento: é uma senda perfeita.
Verdadeiramente, como esta senda, não existe outra para a purificação dos seres. Se você seguir esta senda, porá um fim ao sofrimento.

Mas cada um tem que se esforçar por si mesmo, os Iluminados apenas apontam o Caminho.
Dê ouvidos a isto, pois a imortalidade foi descoberta. Eu revelo, eu proclamo a verdade. Desde que eu revele para vocês, assim ajam. E o supremo objetivo da vida santa, para a realização da qual, filhos de boas famílias abandonam seus lares para uma vida de renúncia sem lar, e muitos nesta própria vida atingiram a meta final.

Grupo da Moralidade

A. Palavra Correcta

  •  Abster-se de mentir, caluniar e denunciar.
  • Abster-se de levar e de trazer conversas que possam causar desarmonia e discórdia.
  • Abster-se de palavras pesadas, duras, grosseiras, ofensivas e maliciosas.
  • Abster-se de tagarelice, conversas frívolas e desnecessárias.
  • Abster-se de falso testemunho e juízos apressados.
Palavra Correcta é aquela que perdoa, que ensina, que ilumina, que eleva, que ora pelos vivos e pelos mortos e que corrige sem magoar. A palavra correcta é aquela que é meiga, doce, mansa e calma, que diz a verdade sem chocar e que leva à paz, à harmonia, à concórdia e à união. Enfim, a caridade através da palavra é a mais alta forma de caridade.
Conexões com outros Elos da Senda: Ao compreender a palavra errónea como errónea e a palavra correcta como correcta, pratica-se a correcta compreensão. E ao fazer esforço para superar a palavra errónea e fazer surgir a palavra correcta, pratica-se o Esforço Correcto. Ao superar a palavra errónea com mente atenta e treinando a mente para possuir a palavra correcta, pratica-se a Plena Atenção Mental Correcta.
Portanto, há três elos da senda que sempre acompanham a Palavra Correcta: Correcta Compreensão, Esforço Coreto e Plena Atenção.

B. Acção Correcta

O que é a Acção Correcta?
  • Abster-se de destruir os seres vivos, isto é, não matar.
  • Abster-se de pegar para nós aquilo que não nos pertence, isto é, não roubar.
  • Abster-se de erróneo comportamento sexual.
  • Abster-se de droga, álcool, cigarro ou qualquer outra coisa que possa envenenar nosso corpo e mente.
Conexões com outros Elos da Senda: Da mesma forma que a Palavra Correcta, neste caso, três elos também acompanham e seguem a Acção Correcta, a saber: Correcta Compreensão, Esforço Correcto e Plena Atenção Mental Correcta.

C. Meio de Vida Correcto

Quando o discípulo evita uma errónea maneira de viver, obtém o seu sustento por uma maneira correcta, isto é chamado Meio de Vida Correcto.
São erróneas estas atitudes para se ganhar vantagens e lucros: a fraude, a falsidade, a trapaça, a usura e a adivinhação. Quatro tipos de comércio o discípulo deve evitar: comércio com armas, com seres vivos, com carne e com drogas. Três profissões devem ser evitadas: caçador, pescador e abatedor.
Conexões com outros Elos da Senda: Neste factor também três elos da senda sempre o acompanha, ou seja: Correcta Compreensão, Esforço Correcto e Plena Atenção Mental Correcta.

Grupo da Cultura Mental

A. Esforço correcto

É o esforço bem balanceado, bem equilibrado que se mantém no meio, equidistante dos dois extremos, ou seja, da vida voltada para os prazeres dos sentidos e das duras práticas ascéticas de mortificação do corpo.
Existem quatro tipos de Esforços:
  • Esforço de evitar o mal.
  • Esforço de superar o mal.
  • Esforço de fazer surgir o bem.
  • Esforço de manter e desenvolver o bem.

Esforço de evitar o mal

Neste caso o discípulo exercita a sua vontade para evitar o surgimento do mal e coisas demeritórias que não tenham ainda surgido e ele faz esforço, movimenta a sua energia, exerce sua mente e luta consigo mesmo.
Ele se esforça para guardar aquilo, através do qual, o mal e coisas negativas como a cobiça e a tristeza, o orgulho, egoísmo, inveja e vaidade que possam surgir se ele permanecer com os sentidos não guardados, e assim, ele vigia os sentidos, restringe os seus sentidos.
Possuindo este nobre controle sobre os sentidos, ele experimenta intimamente um sentimento de alegria, onde nenhum mal possa penetrar.

Esforço de superar o mal

Nesse caso o discípulo exercita sua vontade para superar o mal e coisas demeritórias que já tenham surgido e ele faz esforço, exerce sua energia, treina sua mente e luta consigo mesmo.
Ele não retém nenhum pensamento de sensualidade, raiva ou pesar ou nenhum outro estado de consciência negativo que possa ter surgido. Ele os abandona, os faz dispersar, os destrói e os faz desaparecer.
Assim, o discípulo faz o esforço de superar as Dez Hostes de Mara (As Dez Imperfeições):
  • Sensualidade
  • Aversão
  • Fome e sede (gula)
  • Desejo
  • Preguiça, sonolência e torpor
  • Medo
  • Dúvida
  • Hipocrisia e estupidez
  • Ganho e elogio / honra e fama — falsamente obtidos
  • Exaltar-se a si mesmo e desprezar os outros

Esforço de fazer surgir o bem

Nesse caso o discípulo exercita sua vontade para fazer surgir os estados meritórios de consciência e todos os bons e elevados pensamentos e ações que ainda não tenham surgido e ele faz esforço, exercita sua energia, exerce sua que mente e luta consigo mesmo.
Assim o discípulo desenvolve os sete Factores de Iluminação, a saber:
  • Plena Atenção
  • Investigação da natureza da Doutrina
  • Energia
  • Alegria — Felicidade
  • Tranquilidade
  • Concentração
  • Equanimidade
O discípulo também faz o esforço de fazer surgir as Dez Perfeições:
  • Caridade
  • Moralidade
  • Renúncia
  • Sabedoria
  • Esforço
  • Paciência
  • Veracidade ou honestidade
  • Firme determinação ou resolução
  • Bondade — benevolência — amor
  • Equanimidade
Da mesma forma, o discípulo faz o Esforço Correcto para fazer surgir estas Dez Acções Meritórias:
  • Generosidade
  • Moralidade
  • Meditação
  • Reverência ou respeito
  • Serviço não-egoísta
  • Transferência de mérito
  • Alegrar-se com os méritos e sucesso dos outros
  • Ouvir o Dhamma (Doutrina)
  • Expor o Dhamma
  • Ter correctos pontos de vista e correcta compreensão

Esforço de manter e desenvolver o bem

Aqui, o discípulo exercita a sua vontade para manter e desenvolver todas as coisas boas e meritórias que já tenham surgido nele, todos os bons condicionamentos e boas práticas, não permitindo que eles caiam no esquecimento e desapareçam.
Assim ele se esforça para que todas estas boas coisas possam crescer até a maturidade e plena perfeição e desenvolvimento. E ele faz esforço, estimula sua energia, exerce sua mente e luta consigo mesmo.
O Esforço de evitar, superar, fazer surgir, manter e desenvolver foram proclamados pelo Abençoado e aqueles que firmemente se apegam a eles porão um fim ao sofrimento.

B. Plena Atenção Mental Correcta

O único caminho que conduz à purificação, a superar a tristeza e lamentação ao fim da dor e do pesar, a entrar na senda correcta e realização do Nibbana, é através dos Quatro Fundamentos da Plena Atenção. E quais são os quatro? São os seguintes:
  • Contemplação do Corpo
  • Contemplação das Sensações
  • Contemplação dos Estados de Consciência
  • Contemplação dos Objectos da Mente

Garantia de Realização

Verdadeiramente, ó discípulo, se qualquer pessoa praticar estes Quatro Fundamentos da Plena Atenção desta maneira por sete anos, então, um dos dois frutos é próprio de se esperar: a suprema iluminação, Arahat, aqui e agora ou se alguma forma de apego ainda estiver presente, o terceiro estágio de iluminação chamado Anagami.
Ó discípulos, deixemos sete anos. Se qualquer pessoa praticar estes Quatro Fundamentos da Plena Atenção desta maneira por seis anos, por cinco anos, quatro anos, três, dois, um ano, então, para esta pessoa, um dos dois frutos é próprio de se esperar: a iluminação — Arahat, aqui e agora ou se alguma forma de apego ainda estiver presente o 3° estágio de iluminação — Anagami.
Ó discípulos, deixemos um ano. Se qualquer pessoa praticar estes Quatro Fundamentos da Plena Atenção desta maneira, por sete meses, seis meses, cinco, quatro, três, dois, um mês, ou meio mês ou até uma semana, então para ele, um dos dois frutos é próprio de se esperar: a iluminação, Arahat aqui e agora e se alguma forma de apego ainda estiver presente, o 3º estágio de iluminação Anagami.
Por causa disto, foi assim dito: este é o único caminho, ó discípulos, para a purificação dos seres, para a superação da tristeza e lamentação, para a destruição do sofrimento e do pesar, para atingir a senda correcta e a realização do Nibbana, a saber: os Quatro Fundamentos da Plena Atenção.

C. Concentração Correcta

Concentração é a unipolarização da mente, ou seja, a mente voltada, concentrada em um objecto, seja ele qual for. A concentração correcta é sempre acompanhada do Esforço Correcto, da Plena Atenção Mental Correcta e do Pensamento Correcto. Os objectivos da Concentração são os Quatro Fundamentos da Plena Atenção e os seus requisitos são os Quatro Esforços Correctos.
Os cinco principais obstáculos para a prática da Concentração são:
  • Sensualidade
  • Raiva
  • Sonolência, Preguiça e Torpor
  • Agitação e Preocupação
  • Dúvida (Falta ou fraqueza na Fé)

Grupo da Sabedoria

A. Correcta Compreensão

O que é a Correcta Compreensão?
  • Compreender as Quatro Nobres Verdades (Compreender o Sofrimento; Compreender a causa do Sofrimento; Compreender a extinção do Sofrimento; Compreender a senda que leva à extinção do Sofrimento).
  • Compreender as Acções Meritórias e as suas raízes e as Acções Demeritórias e as suas raízes.
  • Compreender as Três Características da Existência (Impermanente, Insatisfatória, Impessoal)

Perguntas sem sentido

Se o mundo é eterno ou temporal, finito ou infinito; se o princípio vital é idêntico ao corpo ou alguma coisa diferente; se o Buddha continua após a morte ou se não continua.
Então o Buddha esclarece que se existe a teoria ou se não existe teoria a respeito do mundo, se ele é eterno ou temporal, finito ou infinito, entretanto sem qualquer dúvida existe nascimento, existe decadência, existe morte, tristeza, lamentação, dor, pesar e desespero, a extinção de tudo isto, realizável nesta presente vida, eu proclamo diante de todos.

Os Cinco Grilhões

As pessoas em geral são ignorantes a respeito dos ensinamentos dos homens santos, e não treinados na nobre doutrina. E o coração delas é possuído e superado pela ilusão da existência de um Eu, pela dúvida, pelo apego a meras regras e rituais, pela sensualidade e pela raiva; e como libertar-se destas coisas, ele em realidade não sabe como.

Considerações Não Sábias

Não sabendo o que é digno de consideração e o que é indigno, ele considera justamente o indigno e não o digno. E, ignorantemente, ele reflecte: eu existi no passado? ou eu não existi no passado? O que eu fui no passado? Como eu fui no passado? De qual estado e para que estado eu mudei no passado? Eu existirei no futuro? Ou eu não existirei no futuro? O que eu serei no futuro? Como eu serei no futuro? E o presente também o enche de dúvidas: Eu sou? Ou eu não sou? O que eu sou? Como eu sou? Este ser, de onde ele veio e para onde ele vai?

Sábias Considerações

O instruído e nobre discípulo, entretanto, que tem lembrança dos homens santos, conhece os ensinamentos dos homens santos e é bem treinado na nobre doutrina; ele compreende o que é digno de consideração e o que é indigno. E sabendo isto, ele considera o digno e não o indigno.
O que é sofrimento, ele sabiamente considera.

Qual é a causa do sofrimento, ele sabiamente considera. O que é a extinção do sofrimento, ele sabiamente considera. Qual é a senda que leva à extinção do sofrimento, ele sabiamente considera.

Os Dez Grilhões

  • Ilusão da existência de um Eu
  • Dúvida
  • Apego a mera regras e rituais
  • Desejo sensual
  • Raiva
  • Desejo da vida em planos de matéria subtil
  • Desejo da vida em planos imateriais
  • Orgulho, vaidade, presunção — amor próprio
  • Agitação e inquietação mental
  • Ignorância

Os Nobres Discípulos

 Quem se libertar dos três primeiros grilhões é chamado Sotapanna, ou aquele que "entra na correnteza" (do Nibbana). Ele tem uma fé inabalável no Buddha, Dhamma e Sangha, sendo incapaz de quebrar os cinco preceitos de moralidade. Ele terá no máximo mais sete renascimentos e nunca em um estado inferior ao mundo humano.
Aquele que superar o quarto e quinto grilhões em sua forma mais grosseira, é chamado Sakadagami, ou aquele que volta mais uma vez e em seguida atinge a suprema iluminação.
Aquele que supera completamente os cinco primeiros grilhões que prendem as pessoas à roda dos renascimentos é chamado Anagami ou aquele que não volta mais. Após a morte, ele viverá no mundo de matéria subtil e de lá ele atingirá a Iluminação completa.
Aquele que supera todos os dez grilhões é o perfeito, santo, sábio e iluminado, o Arahat.

As Três Características

Apareçam ou não apareçam os iluminados neste mundo, ainda permanece uma firme condição, um imutável fato e lei fixa: que todas as formações são impermanentes, que todas as formações são insatisfatórias e que tudo é sem um Ego (Anatta).
Um fenómeno corpóreo, uma sensação, percepção, uma formação mental ou consciência, que seja permanente e persistente, eterna e não sujeita a mudança, tal coisa o homem sábio não reconhece neste mundo e eu também digo que não existe tal coisa.
E é impossível que alguém que tenha atingido a correcta compreensão considere alguma coisa como sendo o seu Ego.

Discussão a Respeito do Ego

Se alguém diz que sensação é o seu Ego, deve-se responder o seguinte. Existem três tipos de sensações: agradável, desagradável e neutra. Qual destas três sensações você considera o seu ser? porque, no momento que você experimenta uma sensação, não se experimenta a outra.
Então, se alguém disser que sensação realmente não é seu ser, e que o seu ser é inacessível à sensação, a esta pessoa deve-se responder: onde não existe qualquer sensação, é possível dizer: "isto sou eu?"
Dizer que a mente, ou os objectos da mente, ou a consciência mental constitui o seu ser, tal afirmação é infundada. Porque um surgimento e um passamento é visto aí, então a pessoa devia chegar à conclusão que o seu ser surge e passa.
É muito melhor para aquele que desconhece a realidade, considerar o seu corpo, construído dos quatro elementos como o seu ser, do que a mente. Porque é evidente que o corpo possa durar um ano, dois, cinco, dez, vinte, cinquenta, ou mesmo cem anos ou até mais. Mas aquilo que é chamado pensamento ou mente ou consciência, surge continuamente, durante o dia à noite como uma coisa e desaparece como outra coisa.
Assim seja qual for a corporealidade, sensação, percepção, formações-mentais ou consciência, deve-se compreender de acordo com a realidade e a verdadeira sabedoria.
Isto não pertence a mim
Isto não sou eu
Isto não é meu Ego (Ser)

Presente, Passado e Futuro

No passado apenas aquela existência foi real, mas irreal a presente e a futura existência. No futuro, apenas a futura existência será real, mas irreal a passada e a presente existência. Agora, apenas a presente existência é real, mas irreal a passada e a futura existência.
Verdadeiramente, aquele que percebe a Origem Dependente, percebe a verdade e aquele que percebe a verdade, percebe a Origem Dependente.
Da mesma forma que da vaca vem o leite e do leite a coalhada, da coalhada a manteiga e quando ele é leite, não é tomado ou considerado como coalhada e quando coalhada não é considerado como manteiga. Da mesma forma a minha existência passada naquele tempo era real, mas irreal a futura e a presente existência. E a minha futura existência será real quando chegarmos naquele futuro, e irreal a presente e a passada existência.

Os Dois Extremos

O Aniquilamento, o Eternalismo e a Doutrina do Meio: Verdadeiramente, se alguém sustenta o ponto de vista que o princípio vital é idêntico ao corpo, neste caso, a vida santa não seria possível. E se alguém sustenta o ponto de vista que o princípio vital é alguma coisa completamente diferente do corpo, neste caso também, a vida santa não seria possível.
Estes dois extremos, o Iluminado rejeitou e proclamou a Doutrina do Meio que mostra a origem dependente de todos os fenômenos psico-físicos.
Esta origem dependente é um princípio estrutural simples: para B estar presente, A tem que estar presente e reciprocamente, quando A está ausente B está também ausente. E um princípio que não envolve tempo ente os factores A e B.
Assim, dependendo do desejo, surge o apego. Se não existir desejo de espécie alguma, tendo havido a cessação do desejo, seria possível surgir algum Apego? A resposta evidente, é não.
Assim surgem todos os 12 elos da Roda da Vida, sempre dependendo de causas e condições para o seu surgimento e eliminando estas causas e condições estes factores são também eliminados.
"Neste sentido, alguém poderá dizer que eu ensino e prego o aniquilamento, que eu proclamo esta doutrina com o propósito do aniquilamento e que nesse sentido eu treino os meus discípulos. Certamente, eu prego e ensino o aniquilamento, a saber, da cobiça, do ódio e da ilusão, da mesma forma que de todas as acções más e demeritórias."
Quando o sol brilha sobre a superfície lisa da areia, aparece o fenómeno chamado miragem. Então eu tenho uma ilusão e estou equivocado ao tomar o fenómeno como sendo Água. A ilusão de água está lá o tempo todo, apesar de que na realidade não é água. Eu estou apenas iludido em pensar que estou vendo água. Para eu perceber o fenómeno correctamente, tenho que compreender que ele é não-água.
Assim acontece com a ilusão de um Ego de um Ser. A ilusão está presente o tempo todo. Assim, eu tenho que compreender que o fenómeno considerado como Eu ou Ser, na realidade é não-eu (Anatta).
Fazer uma afirmação positiva ou negativa a respeito da “água” em relação à miragem, é laborar aceitando falsidade com valor real. Dizer que “a água existe” que “a água não existe” é basear tal declaração sobre uma falsa premissa "água".

Da mesma forma, fazer a afirmação, positiva ou negativa a respeito do Ego ou Ser é laborar, aceitando falsidade como valor real. Por esta razão, o Buddha rejeita tanto afirmar como negar o Ego, quando lhe é perguntado se o Ego ou o Ser existe ou não existe.
Responder categoricamente que o Ego existe ou não existe, seria não sábio. Na realidade, enquanto que nenhum Ego é jamais encontrado ou existente, a ilusão Ego existe, é encontrada, e está o tempo todo presente.
Para as pessoas que colocam perguntas directas a respeito de ilusões, a resposta correcta não é dizer: "sim" ou "não", mas ministrar para elas instrução apropriada.
Não significa que a miragem, como tal, não exista. A miragem existe e persiste. Da mesma forma, o Ego, como tal, existe e persiste como "meu ser" ou "Eu" que distinto de todas as outras coisas: Eu e o mundo, vindo daí a ilusão de, separabilidade e o egoísmo.

B. Correcto Pensamento

Na mente estão as cinco raízes do mal e também as cinco raízes do bem. Portanto correcto pensamento é o esforço para tirar os nossos pensamentos das raízes do mal para as raízes do bem, ou seja:
  • Da ilusão e ignorância: para a compreensão e sabedoria.
  • Da cobiça, ambição, avareza, ganância e apego: para a caridade, renúncia, desapego, generosidade e prodigalidade.
  • Do ressentimento, impaciência, raiva, ira, cólera, ódio, maldade e crueldade: para a paciência, benevolência, indulgência, compaixão, mansidão, amabilidade e amor.
  • Do egoísmo e egocentrismo: para a fraternidade, o amor ao próximo e o amor universal.
  • Do orgulho, inveja e vaidade: para a humildade e a simplicidade.
Conexão com Outros Elos da Senda: Ao compreender o erróneo pensamento como erróneo e o correcto pensamento como correcto, nesse momento pratica-se a correcta compreensão. E ao fazer esforço para superar o mal pensamento e fazer surgir o bom pensamento, nesse momento pratica-se o esforço correcto. E ao superar o mal pensamento com mente atenta e permanecendo com a atenção mental para possuir o pensamento correcto, nesse momento pratica-se a plena atenção mental.
Portanto, existem três elos da senda que são inseparáveis do pensamento correcto a saber: Correcta Compreensão, Esforço Correcto e Plena Atenção Mental Correcta.

Que haja muita saúde, alegria, paz, prosperidade, bem-estar, longa vida e felicidades para todo o povo brasileiro e toda a humanidade. Que todos possam compreender, para ficar e vivenciar os ensinamentos contidos nesta apostila, não só para o seu próprio bem e felicidade mas para o bem e felicidade de toda a humanidade, pela com paixão a todos os seres.
Apostila preparada pelo Prof. Kaled Amor Assrany,
coletada das próprias palavras do Buddha, em seus diversos sermões encontrados no Sutta-Pitaka